segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O que sinto? - me perguntaram. Eu sinto fome, sinto sede, sinto o vento em meu rosto, sinto o sol em minha pele, sinto-me confortável no escuro, sinto-me como uma peça sobressalente, sinto que deveria me calar, sinto que eu preciso de um lugar para retornar. Sinto que este mundo está todo errado e que crer em outro é uma forma de conforto idiota e um jeito banal de se eximir da responsabilidade, sinto que acabarei num erro tolo e que todos meus rastros sumirão em poucas décadas, sinto vergonha de pertencer a mesma raça que vocês. Sinto-me sufocado; sinto-me deslocado; sinto-me preso. Sinto-me idiota. Sinto dor. Sinto desejo. Sinto formas primitivas de emoções. Sinto o opressor e todo-poderoso Tempo. Sinto-me desperdiçando minha vida, e por isso, meu caro, digo-te que sinto muito.

Dos humanos

1- O egocentrismo inerente às pessoas constitui sua fraqueza maior e seu ponto de ruptura em qualquer situação.
Deus se esqueceu.

sábado, 27 de agosto de 2011

Recebi a notícia que ele estava internado, e o que era apenas uma espera por alta se tornou algo complicado sem previsão para ser liberado. Nunca imaginei que isto ocorreria - mas o que senti ao ouvir a notícia foi inconfundível. Não foi nada demais, um prazer ínfimo até; mas significava o mais largo de meus sorrisos naqueles dias nublados.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Adentrou do mesmo modo que em todas as outras noites da última semana. Taciturno, foi logo para seu quarto. Esperou lá até poder tomar banho e dormir. Amanhã seria um dia como qualquer outro e ele apenas trairia a confiança deles pela manhã.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrei naquele banheiro que na minha infância fora um esconderijo. Tranquei a porta, fechei a janela, liguei o chuveiro, não queria ouvir o vazio em minha cabeça. Olhei-me no espelho enquanto me despia. Ali estava, nu e apático. Fazia tempo que não me via assim, três dias sem banho e uma apatia sem igual na vida. O frio, a falta de movimento, a dor no peito e o pequeno calor que aquela vingança ainda não nascida proporcionava. Nunca me sentira tão... derrotado. A vitória sempre fora algo a ser conquistado com um pouco mais de esforço. Não desta vez. Andei com a impressão que as pessoas estavam realmente dizendo coisas importantes mas eu nem as conseguia ouvir. Tirei os óculos, encarei-me. Parecia apenas questão de minutos para cair e desistir. Meu corpo parecia querer ruir pra dentro, encolher-se até a insignificância, a inexistência. Olheiras, a barba ainda bela pelo corte de semanas atrás. Fechei os olhos, toquei minhas cicatrizes e meus ferimentos. Nunca tivera mais força. Nunca ela me fora tão inacessível.

Sai do banho completamente diferente, o disfarce renovado pela água. Preparei-me para o frio que estava pela cidade e, cedo demais, saí para o compromisso. Enrolei o máximo que pude pelo caminho, passei em lojas, fiz orçamentos de coisas que nunca quis, ofereceram-me propostas que nunca iria aceitar mas disse que pensaria sobre. Cheguei adiantado, dez minutos, e dei uma volta no quarteirão, o que fez metade dos meus colegas surgir numa mesa me esperando. Sentei-me, conversamos até os outros três chegarem, fizemos o pedido e eu bebi até achar que a garçonete me paquerava. Talvez estivesse sóbrio e sendo paquerado; talvez fosse quem estava do meu lado o alvo daqueles olhares; talvez fosse apenas ela tirando sarro; talvez ela quisesse os dois... Hoje em dia as pessoas andam mais perversas, e nunca se sabe seu tipo de perversão. Poderiam ocorrer várias coisas interessantes, mas tudo que me lembro foi de ficar um pouco mais engraçado, ter que correr(mesmo) para pegar um táxi para chegar no ponto a tempo de pegar o ônibus(o último, pra fechar a noite) e perder a noção do tempo ao entrar em casa.

Só fui dormir quando não aguentava mais manter os olhos abertos. O dia seguinte foi engolido por café e computador. Mas isso estava perdoado hoje, finalmente domingo para iniciar mais uma semana. Dois dias desde a última vez que olhei pro lado de fora. Não conseguia estragar muito de minha vida, era feriado; mas andava terrível e irreversivelmente me estragando. A barba estava agora desgrenhada e o rosto pior que das vezes que tomei um soco na cara; sentia meu cérebro sendo espremido e meu corpo não estava funcionando bem. Eu não me agarrava desesperadamente a isto mas era a única coisa que me impelia a continuar. Vingança. Isso estava me tornando forte de um jeito que não aprecio. Frio, forte, louco, doente, insano. Mas eu iria me controlar e fazer tudo com extrema precisão, não iria cometer erros. Apesar de ter acabado de cometer meu primeiro. Saí um pouco, respirei o ar gelado e noturno. Olhei a lua. Simpatizei-me com aquela única metade visível. Apaguei e reapareci no banheiro. Fitei-me. Não conseguia sentir pena daquilo. Não conseguia sentir nada por aquilo. Isso me fazia sorrir.

domingo, 7 de agosto de 2011

O chacal usou de seus meios desonestos e indignos; conduz agora, à força, o cordeiro. O leão observa, contendo sua raiva. O leão sabe que o chacal está se dando ao luxo de esquecer um pequeno detalhe que não deveria. Ele também pode ser devorado.
Estava destrancando a porta, pular o muro fora fácil e não ter nenhum cachorro só facilitava a ação. A porta se abrira. Entrou, encostou a porta, começou a subir as escadas; tudo silenciosamente. No segundo lance de degraus, já descobria onde ficavam os quartos. Por precaução, ao terminar de subir a escada, olhou para o lado oposto ao dos quartos. Assustou-se. Alguém estava sentado numa cadeira, com o braço direito na escrivaninha e a cabeça sobre ele; levantou a cabeça vagarosamente, como que sonolento, e encarou-o. Seus olhos contradiziam seus gestos. Seu olhar era opressor. Não durou mais que alguns segundos. Retornou para a mesma posição, indiferente. O invasor, surpreso e atônito, foi embora. Tomando o cuidado de trancar a porta ao sair.
Poderia muito bem esquecer tudo e morar lá, isolado. Na verdade, já havia esquecido grande parte. Admito que a ideia me era atraente... Aquele silêncio... Ter por companhia a loucura que mais admirava, a minha. Sem pessoas para quem mentir; sem a necessidade de mentir para sobreviver; sem sorrisos falsos para distribuir; sem o deus Tempo. A verdade à amostra, nunca questionada; gargalhadas de diversão, mandava ali uma pacífica suavidade. Na verdade, o que mais me agradava era ter ninguém enchendo. Ninguém para me enojar. Ninguém para ter pena ou sentir repulsa por pertencer à mesma raça. Olhei para frente, um frasco de shampoo, um sabonete e uma faca me esperavam. Porque mais estaria eu nu no banheiro se não para tomar banho? Para escrever, talvez.