quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Lá estava uma mulher, chorando, gritando coisas ininteligíveis ora para o celular, ora para um interlocutor invisível. Com atenção distinguia-se na fala desvairada algumas palavras. "Fome" "Pão" "Monstra". Chorava e gritava, apertando algumas teclas no telefone e falando com alguém, olhando para o lado e falando com ninguém. A repetição traz um pouco de clareza ao que ela enunciava desesperadamente. "Um pão por dia pra matar minha fome, aquela monstra." Sentada num degrau de um estabelecimento já fechado. Ele observava tudo calado da porta de sua varanda, logo em frente. Só olhava. Quieto. Silencioso. Com aqueles fixos e indiferentes olhos. Continuou olhando, vendo algumas pessoas passarem e se assustarem com a mulher. Vendo elas passarem e nem o perceberem. Agora observava só com um olho, a porta deixando uma pequena fresta, o rosto colado na outra parte da porta. Apenas um olho observando. Apenas meia boca sorrindo. Assim que sorriu, recuou devagar, não queria mover a porta, nem para frente, nem para trás. Passeou um pouco em casa e riu de seus pensamentos. Voltou para a fresta. A mulher não estava mais lá. Esperou. Começou a abrir a porta, viu uma cabeça, parou, esperou, a cabeça se voltou para o lado de onde estava vindo e para lá foi. Ele saiu para a varanda. Olhou ao redor. Na avenida, uma mulher apareceu em sua própria varanda e reclamou com alguns meninos na rua que estavam badernando. Um deles a xingou. Ela vai citando os nomes, falando que sabe onde eles moram, que a polícia vai saber onde bater; ameaçando-os. Uma voz de mulher velha e rabugenta se eleva e pergunta pra ela o que está acontecendo. Ela fala reclamando, normal. A velha grita algo sobre meninos desocupados e que deveriam caçar serviço, "Esse bando de sem mãe." Ele fica olhando indiferente, com os mesmos olhos indiferentes. Finalmente olha para cima, para a lua; o que queria fazer desde o início. Seus olhos ficam grandes e brilhantes. Com um brilho de desejo, de ambição, de loucura. Sorri para a lua. Entra em casa e fica pensando. Vários minutos se passam até que volte para a varanda e olhe para o céu. A lua está mais alta agora. E ele a olha, um olhar de silenciosa admiração e ele em silenciosa contemplação. O rosto sereno. Entra novamente na casa, dessa vez puxando a porta e girando a tranca. Trancando a porta.

Um comentário:

  1. Zona cotidiana... Aqui é quase o mesmo, mas de um modo menos pior. Resume-se a carrinhos de mão equipados com aparelhos de som que tocam músicas bregas, pessoas anunciando seus produtos e luzes, muitas luzes...

    ResponderExcluir