terça-feira, 5 de outubro de 2010

Areia

Estava cansado de vê-la. Metade de sua visão era amarela. A outra metade, azul, céu. Estava cansado de andar também. Ele sabia o que acontecera até ali, só não tinha coragem de lembrar. Sua visão se tornou toda amarela, andava cabisbaixo. Pensava em quais seriam as chances de sair vivo dali. Uma em milhões? Hoje lhe parecia o dia das improbabilidades.

Acordara em seu modesto apartamento, pegara a moto pra ir até uma cidade vizinha, dera carona a um estranho que pagou pela carona com um almoço em um restaurante, sentira-se tonto e acordara no meio do deserto com o leve barulho da areia movendo-se pela vontade do vento.

Sobe duna, desce duna. Fome. Faminto. Sede. Sedento. Sobe duna, desce duna. Azul, amarelo, amarelazul. Sobe duna... ? Uma caverna? A baixa força do vento permite que ele veja um vulto recostado na entrada da caverna. Aproxima-se. O vulto desencosta-se das pedras e acena. Algo lhe diz para sair correndo dali, deixar-se afundar na areia, queimar-se mais ao sol, qualquer coisa que não envolva entrar naquela caverna. Não obstante, se aproxima da caverna. O vulto? Um homem de cara velha e corpo jovem. Um sorriso entre os cabelos brancos e as bochechas bronzeadas. Ele segue cambaleando até o velho que lhe segura quando tomba para a frente. Lembra-se de ver uma pequena mudança no sorriso antes de desmaiar.

Acorda, agitado, está dentro da caverna. Noite. Sente um cheiro de algo sendo feito numa fogueira. Esfrega os olhos. Segue o cheiro até a entrada da caverna, onde o velho está sentando esperando que os lagartos fiquem prontos. Ele se aproxima hesitante mas resolve sentar ao lado do velho. O velho estende-lhe um lagarto fumegante que ele começa devorar sem demora. O velho indica um cantil com a cabeça. Ele bebe-o avidamente. Frescor... O velho levanta-se, "Agora você está pronto.". Ele não entende o que o velho quis dizer. Mas o velho dirige-se novamente a ele - "Levante-se". Ele mal se levanta e antes que esticasse suas mãos para tirar a areia das calças, o Velho enfia-lhe uma adaga em seu abdômen. Seu coração dispara mas tudo que ele consegue fazer é olhar a face do velho que demonstra pena, a mesma pena que demonstram os adultos ao verem uma criança perder o brinquedo. As coisas permanecem nítidas tempo suficiente para que ele veja o velho mover um dedo até os lábios como pedindo para que ele fique em silêncio. E foi o que ele fez, ficou em silêncio.

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